quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A Motivação de Comportamentos Auto-Lesivos

Disponibilizo no link abaixo a tradução de um artigo clássico da literatura analítico-comportamental sobre comportamento auto-lesivo:

http://www.4shared.com/document/rMU5fV5I/A_Motivacao_de_Comportamentos_.html

Link para o original em inglês:
The Motivation of Self-Injurious Behavior: a Review of Some Hypotheses
http://www.accesspointkids.com/uploads/Carr_1977_-_Self_Injurious_Behavior.pdf

Ainda que o foco do artigo não seja especificamente voltado ao tratamento, mas à identificação de variáveis relacionadas a auto-lesivos, espero que a tradução ajude a disseminar a informação de que há tratamento para esse problema grave que afeta muitas pessoas com deficiências de desenvolvimento.

Após 1977, data de publicação do artigo de Edward G. Carr, houve a publicação de muitos e muitos artigos com descrições detalhadas de avaliação e tratamento. Para aqueles que se interessarem por esses avanços obtidos por analistas do comportamento nas últimas décadas, sugiro uma consulta ao Journal of Applied Behavior Analysis - JABA - com os termos "self-injurious" e "self-injury", no link abaixo:

http://seab.envmed.rochester.edu/jaba/jabaindx.asp

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

São incompatíveis a proposta de planejamento cultural de Skinner e o liberalismo econômico?

Milton Friedman operacionaliza liberdade em muitos momentos como ausência ou diminuição de coerção, argumento já abordado e ampliado nas análises de Skinner sobre o uso também do reforço positivo como estratégia de controle de agências governamentais.


Não creio que haja incompatibilidade entre o liberalismo econômico e as propostas skinnerianas de planejamento cultural e "diversificação planejada", sobretudo aquelas apresentadas em Beyond Freedom and Dignity. Teríamos talvez que aparar alguns excessos ideológicos, tanto de Friedman quanto de Skinner.


Considero que análises funcionais podem contribuir muito para o planejamento do que Friedman chamava de "um governo da lei ao invés de um governo de homens" e das "normas ao invés de autoridades". Fazer boas leis e normas exige, sobretudo, descrição de contingências e modificação de novas contingências.


O conceito de liberalismo se tornou um espantalho em debates, os quais são levados a cabo muitas vezes por pessoas que não leram uma linha sequer sobre registros históricos da gênese da ideologia liberal. Cria-se um liberalismo espantalho, que nunca existiu, dá-se a ele o nome de "neo-liberalismo" e começa-se a atacá-lo.


A ideologia que se tornou historicamente conhecida como liberalismo econômico não surgiu em contextos em que pessoas defendiam a ausência de normas ou de qualquer tipo de regulação da economia, como muito se tem dito. Na verdade, defendiam normas coletivamente negociadas entre cidadãos diversos que produziam riqueza, praticavam comércio, vendiam sua força de trabalho, em suma, que negociavam entre si das mais diversas formas.

O liberalismo econômico surgiu ainda antes de Adam Smith, em contextos de descentralização de poder em culturas sob regimes monárquicos, nas quais pequenas classes dirigentes ditavam normas a serem seguidas por muitos na prática da negociação e do comércio. Normas ditadas por monarcas invariavelmente serviam à defesa de apadrinhados da nobreza. Cidadãos comuns começaram então a defender a liberdade para negociarem e obterem consequências advindas dessas negociações sem que regras impostas pela classe monárquica engessassem suas negociações.
 
Nenhuma norma é instituída sem que uma pessoa ou um grupo de pessoas a tenha antes planejado e concebido. O problema é que muitas normas que regulam relações entre partes que negociam são ruins para todos no longo prazo, ou por não se ter tido o devido cuidado ao prever suas consequências, ou por atenderem a interesses imediatistas de legisladores - populismo, demagogia, legislação eleitoreira etc.

Relações de negociação entre indivíduos ocorrem de modos não planejados o tempo todo. É possível descrever essas relações, e, com base nessas descrições, formular normatizações pontuais que se mostrem necessárias, porém sem a institucionalização do engessamento em negociações. Estas podem ocorrer de modo difuso entre indivíduos na sociedade.

Planejadores e legisladores existem e sempre existiram em culturas organizadas por normas, e, no caso do Brasil, podemos dizer que temos tido péssimos planejadores já há bastante tempo, com raríssimas excessões.

Planejadores não têm conseguido prever satisfatoriamente as consequências das normas que instituem. Estas costumam ser mantidas por décadas, e, ao mesmo tempo em que oneram cidadãos, tanto pobres como ricos, perpetuam de modo institucionalizado a má qualidade na gestão de gastos públicos e burocracias desnecessárias.

Um exemplo disso é a seguridade social compulsória, ou previdência. Há uma norma que nos obriga a poupar e há outra norma que determina que essa nossa poupança deve obrigatoriamente ser gerida pelo governo. Os mesmos governos que, por meio de normas falhas, desperdiçam os recursos de nossa poupança compulsória, o fazem com a justificativa de que estão nos garantindo melhores condições futuras, o que é demonstravelmente uma inverdade.

Um trecho de Friedman, em seu livro Capitalismo e Liberdade, deixa claro que não há em suas propostas, como alguns analistas do comportamento teimam em sugerir (ao que parece,sem terem lido o autor) a postura ingênua de se conceber liberdade como ausência absoluta de controle:



“Liberdade política significa ausência de coerção sobre um homem por parte de seus semelhantes. A ameaça fundamental à liberdade consiste no poder de coagir, esteja ele nas mãos de um monarca, de um ditador, de uma oligarquia ou de uma maioria momentânea. A preservação da liberdade requer a maior eliminação possível de tal concentração de poder e a dispersão e distribuição de todo o poder que não puder ser eliminado – um sistema de controle e equilíbrio. Removendo a organização da atividade econômica do controle da autoridade política, o mercado elimina essa fonte de poder coercitivo. Permite, assim, que a força econômica fiscalize o poder político, ao invés de fortalecê-lo.”

Em outros trechos, Friedman deixa claro que liberalismo econômico não significa a defesa da ausência de regras, mas sim a defesa de que as regras sejam claras e válidas para todos, tanto para cidadãos comuns como para governantes. No mesmo livro aqui citado, há um subtítulo que é, por si mesmo, esclarecedor a esse respeito: “Normas ao Invés de Autoridades”.

Outros trechos do livro de Friedman que me parecem também esclarecedores:

“Vista como um meio para a obtenção da liberdade política, a organização econômica é importante devido ao seu efeito na concentração ou dispersão do poder. O tipo de organização econômica que promove diretamente a liberdade econômica, isto é, o capitalismo competitivo, também promove a liberdade política, porque separa o poder econômico do poder político e, desse modo, permite que um controle o outro.”
 
“Fundamentalmente, só há dois meios de coordenar as atividades econômicas de milhões. Um é a direção central, utilizando a coerção - a técnica do Exército e do Estado totalitário moderno. O outro, a cooperação voluntária dos indivíduos - a técnica do mercado.”
 
“A possibilidade da coordenação por meio de ação voluntária está baseada na proposição elementar de que ambas as partes de uma transação econômica se beneficiam dela, desde que a transação seja bilateralmente organizada e voluntária. A troca pode, portanto, tornar possível a coordenação sem a coerção.”
 
“Enquanto a liberdade efetiva de troca for mantida, a característica central da organização de mercado da atividade econômica é a de impedir que uma pessoa interfira com a outra no que diz respeito à maior parte de suas atividades. O consumidor é protegido da coerção do vendedor devido à presença de outros vendedores com quem pode negociar. O vendedor é protegido da coerção do consumidor devido à existência de outros consumidores a quem pode vender. O empregado é protegido da coerção do empregador devido aos outros empregadores para quem pode trabalhar, e assim por diante. E o mercado faz isso, impessoalmente, e sem nenhuma autoridade centralizada.”
 
“A economia livre dá às pessoas o que elas querem e não o que um grupo particular acha que devem querer.”
 
“A existência de um mercado livre não elimina, evidentemente, a necessidade de um governo. Ao contrário, um governo é essencial para a determinação das "regras do jogo" e um árbitro para interpretar e pôr em vigor as regras estabelecidas. O que o mercado faz é reduzir sensivelmente o número de questões que devem ser decididas por meios políticos - e, por isso, minimizar a extensão em que o governo tem que participar diretamente do jogo.”

“Uma das características de uma sociedade livre é certamente a liberdade dos indivíduos de desejar e propor abertamente uma mudança radical na estrutura da sociedade - desde que tal empresa se adstrinja à persuasão e não inclua a força ou outra forma de coerção.”
 
“Numa sociedade de mercado livre, é suficiente ter fundos. Os fornecedores de papel estão dispostos a fornecer material tanto ao Daily Worker quanto ao Wall Street Journal. Numa sociedade socialista, não seria suficiente ter os fundos. O hipotético partidário do capitalismo [em uma sociedade socialista] teria que persuadir uma fábrica de papel do governo a vender-lhe o material; uma editora do governo a imprimir para ele; o serviço de correios do governo a distribuir seus panfletos; uma agência do governo a lhe alugar uma sala para reuniões e conferências.”
 
“Uma pessoa pode acreditar, como eu acredito, que o comunismo destruirá todas as nossas liberdades; uma pessoa pode opor-se a ele tão firmemente quanto possível e, no entanto, ao mesmo tempo, também acreditar que numa sociedade livre é intolerável que um homem seja impedido de dizer e fazer acordos voluntários com outros, acordos esses mutuamente atraentes, porque acredita no comunismo, ou está tratando de promovê-lo. Sua liberdade inclui sua liberdade de tentar promover o comunismo. E a liberdade também inclui, é claro, a liberdade de outros de não negociarem tais circunstâncias.”
 
“Para o liberal, os meios apropriados são a discussão livre e a cooperação voluntária.”
 
“Do mesmo modo que um bom jogo exige que os jogadores aceitem tanto as regras quanto o árbitro encarregado de interpretá-las e de aplicá-las, uma boa sociedade exige que seus membros concordem com as condições gerais que presidirão as relações entre eles, com o modo de arbitrar interpretações diferentes dessas condições e com algum dispositivo para garantir o cumprimento das regras comumente aceitas. Como nos jogos, também nas sociedades, a maior parte das condições gerais constitui o conjunto de costumes, aceitos automaticamente. Quando muito, só consideramos explicitamente pequenas modificações nele introduzidas, embora o efeito cumulativo de uma série de pequenas modificações possa vir a constituir uma alteração drástica nas características do jogo ou da sociedade. Tanto nos jogos quanto na sociedade, nenhum conjunto de regras pode prevalecer, a não ser que a maioria dos participantes as obedeça durante a maior parte do tempo, sem a necessidade de sanções externas, a não ser, portanto, que exista um consenso social subjacente. Mas, não podemos contar somente com o costume ou com esse consenso para interpretar e pôr as regras em vigor; é necessário um árbitro. Esses são, pois, os papéis básicos do governo numa sociedade livre - prover os meios para modificar as regras, regular as diferenças sobre seu significado, e garantir o cumprimento das regras por aqueles que, de outra forma, não se submeteriam a elas. A necessidade do governo nesta área surge porque a liberdade absoluta é impossível.”
 
“Que significado se deve dar à palavra ‘livre’ quando qualifica ‘iniciativa’? Nos Estados Unidos, "livre" tem sido entendido como significando que todos têm a liberdade de fundar uma empresa - o que significa que as empresas existentes não têm a liberdade de manter os competidores fora do campo, a não ser com a venda de produtos melhores ao mesmo preço ou dos mesmos a preço mais baixo. Na tradição continental, por outro lado, significa em geral que as empresas têm a liberdade de fazer o que quiserem, incluindo a fixação de preços, a divisão do mercado e a adoção de outras técnicas para manter afastados os competidores em potencial.”
 
“Em suma, a organização da atividade econômica através da troca voluntária presume que se tenha providenciado, por meio do governo, a manutenção de leis e normas que previnam a coerção de um indivíduo por outro, garantindo a execução de contratos voluntariamente estabelecidos, a definição do significado de direitos de propriedade, a sua interpretação e execução e o fornecimento de uma estrutura monetária.”
 
“Acreditamos que os pais são geralmente os mais habilitados para proteger seus filhos e proporcionar que se desenvolvam como indivíduos responsáveis, para os quais a liberdade é apropriada. Mas não acreditamos na liberdade dos pais para fazer o que quiserem com outras pessoas. Crianças são indivíduos responsáveis em potencial, e quem acredita em liberdade acredita em proteger seus direitos últimos.”
 
“Devemos confiar em nosso julgamento falível e, tendo chegado a um julgamento, na nossa capacidade de convencer nossos semelhantes de que é um julgamento correto, ou na sua capacidade de nos persuadir a modificar nossos pontos de vista. Devemos depositar nossa convicção, aqui como alhures, em um consenso alcançado por homens imperfeitos e tendenciosos através do debate livre e da tentativa e erro.”
 
“O liberal teme fundamentalmente a concentração de poder. Seu objetivo é o de preservar o grau máximo de liberdade para cada indivíduo em separado - compatível com a não-interferência na liberdade de outro indivíduo. O liberal acredita que este objetivo exige que o poder seja disperso. Não vê com bons olhos entregar ao governo qualquer operação que possa ser executada por meio do mercado – primeiro, porque tal fato substituiria a cooperação voluntária pela coerção na área em questão, e, segundo, porque dar ao governo um poder maior é ameaçar a liberdade em outras áreas.”
 
“A necessidade de dispersão do poder coloca um problema especialmente difícil no campo do dinheiro. Existe uma concordância bastante ampla de que o governo deve ter alguma responsabilidade em termos de assuntos monetários. Há também amplo reconhecimento de que o controle sobre o dinheiro pode constituir instrumento importante para controlar e modelar a economia. O problema consiste em estabelecer arranjos institucionais que irão permitir ao governo exercer responsabilidade pelo dinheiro, e, ao mesmo tempo, limitar o poder que lhe é dado e prevenir que esse poder seja usado de modos que tendam a enfraquecer, mais do que fortalecer uma sociedade livre.”

“O único meio já sugerido e que parece promissor é tentar estabelecer um governo da lei em vez de um governo de homens, por meio do processo legislativo de normas para a direção da política monetária, processo este que terá o efeito de permitir ao público exercer controle sobre a política monetária por meio de autoridades políticas e, ao mesmo tempo, evitar que a política monetária seja vítima dos caprichos do dia a dia das autoridades políticas.”
 
“A liberdade individual para escolher e a competição das empresas privadas por clientes [dão] lugar ao aprimoramento dos tipos de contrato disponíveis e promovem variedade e diversidade, que vão ao encontro das necessidades individuais.”
 
“O liberal acolherá, de bom grado, medidas que promovam tanto a liberdade quanto a igualdade como, por exemplo, os meios para eliminar o poder monopolista e desenvolver as operações do mercado.”
 
“O erro central dessas medidas [de planejamento estatal da economia] reside no fato de tentarem, por meio do governo, obrigar as pessoas a agir contra seus interesses imediatos a fim de promoverem um suposto interesse geral. Tentam resolver o que se supõe um conflito de interesses, ou uma diferença de pontos de vista com relação a interesses, não por meio de uma estrutura que elimine o conflito ou tentando persuadir as pessoas a ter interesses diferentes, mas forçando as pessoas a agir contra seu próprio interesse. Substituem os valores dos participantes pelos que estão de fora; alguns dizendo a outros o que é bom para eles ou o governo tirando de alguns para beneficiar outros. Estas medidas enfrentam, portanto, uma das mais poderosas e mais criativas forças conhecidas pelo homem - a tentativa de milhões de indivíduos de defender seus interesses, de viver suas vidas de acordo com seus próprios valores. É esta a razão principal de as medidas haverem tido, tão frequentemente, efeito contrário ao pretendido. É também uma das maiores forças da sociedade livre e explica por que os regulamentos governamentais não conseguem dominá-la.”
 
“A concentração do poder não é tornada inofensiva pelas boas intenções de quem a estabelece.”